16 de janeiro de 2012

Mostra-te.

                                          Detalhe Leonardo, 'Madona dos rochedos', 1491-1508


" Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é "

Julgamos as pessoas pelos seus atos. Mas qual a medida da relação entre atitude e personalidade? Ora, somos o que externamos...é possível ter boa índole e ao mesmo tempo realizar más práticas?

De outra forma: O que fazemos supera o que somos?

Não basta ser. É preciso, além disso, parecer ser.

Que contrasenso.

Um lobo em pele de cordeiro, agindo como este último deixa de ser lobo? Não é cordeiro, mas parece ser. É o bastante?

Não deveria... as aparências, portanto, não enganam?

Da mesma forma qualidades ocultas podem ser desprezadas, justamente por não possuírem visibilidade e isso não as infirma. Continuam lá.

Seria algo como aquela frase famosa: "Crê em Deus, mas amarra o cavalo" - Desenvolve teu ser, mas cuida de mostrá-lo.

8 de janeiro de 2012

Pigmaleão e Galatéia

Óleo sobre tela de Jean-Léon Gérome (1824-1904). "Versão 1" (nu frontal).
Data: 1860
Londres, The Bridgemen Art Library
 
Texto superinteressante do Eugênio Mussak, publicado na revista vida simples e acessado no site: Sapiens Sapiens :
Preste atenção nesta bela história, retirada da inesgotável mitologia grega:
Pigmalião conheceu a mulher perfeita. As formas de seu corpo e a suavidade de sua face eram complementares e totalmente harmoniosas. Nenhuma curva era tão pronunciada que a tornasse exagerada, nem era tão sutil que a fizesse despercebida. A pele era suave e deixava perceber a vibração de cada músculo que recobria, como se estivesse em um esforço para conter tanta vida. Sua pose era insinuante, dotada de um isto de majestade e de sensualidade que, ao contrário de serem antagônicas, eram sensações que criavam uma perfeita sinergia, conferindo uma beleza praticamente indescritível. O sorriso enigmático e o olhar ligeiramente perdido constituíam um capítulo a parte. Decifrar o enigma e acudir a expectativa daquele olhar eram praticamente uma obrigação”.
A mulher de Pigmalião não tinha defeitos. Ou melhor, quase não tinha… Apenas um detalhe o afastava da felicidade de usufruir tal companhia: a mulher de Pigmalião era uma estátua que ele mesmo esculpira e pela qual se apaixonara, pois pusera nela toda a perfeição que a arte pode criar.
A estátua de Pigmalião, conhecida na mitologia grega, reflete o comportamento humano de imaginar modelos ideais de vida e sofrer por não conseguir transformá-los em realidade. Como esses modelos são emocionais, estão desprovidos da lógica que seria necessária para lhes dar sustentação. E surge, então, o embate entre o ideal e o real.
Para a maioria das pessoas, esse gap é absorvido por uma estrutura de personalidade que sabe lidar com a frustração. Para outros, pode virar motivo de sofrimento, às vezes paralisante. Você já ouviu, decerto, que o ótimo é inimigo do bom. Quem não se contenta em fazer certo, querendo sempre fazer perfeito, acaba não fazendo nada.
Só que a história de Pigmalião não se esgota com seu desespero de não conseguir dar vida à sua estátua. Ele foi à luta. Procurou uma alternativa para transformar sua expectativa em realidade e encontrou a solução na ajuda de Afrodite, que concordou em dar vida à escultura, transformado-a em uma mulher de verdade.
Devemos lembrar que Afrodite era a deusa da beleza e do amor, o que nos oferece a lição de que, quando fazemos algo com amor atingimos a perfeição, talvez porque o amor seja a única manifestação real da perfeição.
Comecei a meditar sobre isso a partir das famosas "resoluções de ano novo": geralmente uma lista imensa de desejos, projetos, decisões a serem desenvolvidos no ano vindouro. Novas posturas emocionais, comportamentais, relacionais. O interessante foi perceber que muitas vezes a lista se torna tão extensa e complexa que talvez uma vida inteira não fosse sufuciente para finalizá-la, muito menos um mísero ano, fulgazes 365 dias...
Ainda não cheguei a uma conclusão definitiva, mas tendo a acreditar que seria muito mais útil, proveitoso e realista escolher menos aspectos a serem desenvolvidos e ao mesmo tempo buscar um trabalho de aceitação quanto a si mesmo, quanto ao fato da imperfeição...
Como disse a Mercedes, no livro/filme Divã, que adoro: Eu vou ter que conviver com minhas irrealizações.
É por aí: viver bem com o que se tem.

23 de abril de 2011

Saber de tudo


Vez ou outra a vida manda algum recado em forma de acontecimento. Um pacote indesejado, quase sempre decepção embrulhada pra presente. De Grego.
Aí, é claro, quer-se devolver, ou negar que a destinação esteja correta."Finge-se" não captar a mensagem que a vida, Deus ou o universo enviou. E, ocupados na tarefa de negar ou entender o que ou por que algo  aconteceu, simplesmente vamos carregando aquilo estrada afora. Naquela que eu vou bem sozinha.
Entender o porquê de tudo que nos afeta de alguma forma é uma condição tentadora. O ego facilmente acredita que poderá esquadrinhar todas as infinitas variáveis das quais podem emanar um determinado resultado. É mais uma decepção para nós, reles mortais. Não habitar o Olimpo e portanto não possuir faculdades extras e sobrenaturais não é nada fácil, afinal. Ao que parece ter o dom da onisciência, uma qualidade obviamente fora da esfera do humanamente possível, é atributo que sempre fazemos questão de esquecer que não possuímos.
Porque eu deveria entender tudo. Eu poderia compreender tudo? Eu posso entender por que algo me foi retirado ou algo que não queria se apresentou, sendo que não foi me dado, ao nascer, o script desta grande peça que estamos encenando?
Se vez por outra recebemos da vida um pacote e não sabemos as razões daquilo, não faz sentido continuá-lo segurando. O mais sensato, embora não o mais fácil, seja simplesmente agradecer, catalogar e guardar o presente, esperando que as cenas dos próximos capítulos tragam desfechos daqueles dignas de uma boa novela das 8, com todo mundo bem feliz no final.

Moça, Olha só, o que eu te escrevi
É preciso força pra sonhar e perceber
Que a estrada vai além do que se vê


Los Hermanos

25 de fevereiro de 2011

Desce o pano

E assim chegar e partir...
A vida a cada dia se renova para nós. O novo, o que vem, nem sempre é desejado. Nem sempre é bom. Mesmo assim e independente disso, as situações se alteram. O que existia, em um segundo não existe mais. O que era seguro, conhecido, acolhedor, desaparece.
São os ciclos. O chegar e o partir. E preparados ou não, temos que enfrentar. Aliás, é este embate contra nós mesmos que nos faz avançar.
As situações mudam. Pessoas partem. Fica a saudade, as histórias vividas, as lições. Então, o que eu acredito é que elas não deixam de existir de fato. Apenas passam a viver conosco de outra maneira.
Continuam conosco em nossas lembranças e nos nossos corações.

Hoje faleceu a mãe de uma grande amiga. Sua jornada nesse plano acabou. Fica a saudade. Fica a sensação de dever cumprido, ficam as raízes, na família linda que minha amiga está construindo. Há tristeza, também. Dela não podemos escapar. Mas acima de tudo, certeza de que de um lugar melhor do que aqui, ela estará olhando por todas nós.

E um poema para Carmem:

“Um dia...pronto!...me acabo.
Pois seja o que tem de ser.
Morrer: que me importa? 
O diabo é deixar de viver!“

Mario Quintana

24 de fevereiro de 2011

Pensar em Deus



Pensar em Deus

Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...

Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,

E Deus amar-nos-á fazendo de nós

Belos como as árvores e os regatos,

E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos! ...


(1889 - 1915)

  
 "Kabir diz: Assim como você pode nunca encontrar a floresta se você ignorar a árvore...
A floresta não existe. A "Floresta é apenas uma palavra. O que existe é a árvore. Árvore, árvore e mais árvores - elas existem. Se você começar a procurar a floresta e ignorar as árvores, nunca encontrará a floresta. Talvez seja por isso que tantas pessoas procuram por Deus e nunca o encontram- elas estão procurando por uma abstração. Deus é como a floresta: você encontrará uma árvore, uma rocha, um homem, uma mulher, um cachorro, uma cobra, uma estrela - essas coisas você encontrará. Deus, você não encontrará em lugar nenhum.. Deus é o nome da totalidade. Ele existe nessas coisas pariculares. Ele não tem nenhuma ourta existência em lugar nenhum. Ele existe na cobra enquanto cobra, e existe na árvore enquanto árvore, e existe na rocha enquanto rocha e existe no homem enquanto homem.
(...)
Encontre o particular e esqueça o universal. Ame o homem, ame a mulher, ame a criança, ame o anima,l ame a árvore, ame as estrelas... Não pergunte por Deus, e você encontrará Deus.

OSHO - Vida, Amor e Riso



23 de fevereiro de 2011

Mão na massa


Voltei à cozinha.
Tinha um peito de frango meio triste me esperando para o jantar.
Resolvi botar a mão na massa. Quer dizer, na carne.
Fiz uma gracinha  no frango.
Não foi uma Faby, mas....

De tanto ver blog de culinária, e passar mal vendo vídeo da Nigella a inspiração acaba aparecendo.

19 de fevereiro de 2011

Só quero um presente - Rubem Alves


Minhas netas: no dia 15 o vô vai ficar mais velho. Bobagem, porque a gente envelhece o tempo todo; o tempo não para; é como o rio. Só que a gente não percebe. Mas aí chega um dia que faz a gente parar e prestar atenção: o dia do aniversário. No dia do aniversário a gente diz: “Passou mais um ano da minha vida“. É o dia quando os números mudam. Quando me perguntam: “Qual é a sua idade?“ - eu respondo: “67“. Mas depois do dia 15 a resposta será “68“.

Vocês crianças, quando pensam em aniversário, dão risada e ficam felizes. Aniversário é dia de festa e presentes. Toda criança quer que o tempo passe depressa para ficar mais velha, deixar de ser criança e ficar adulta. Acham que ser criança é coisa ruim, porque crianças não são donas do seu nariz, não fazem o que querem. Bom mesmo é ser grande. Os grandes fazem o que querem e não precisam pedir permissão. Criança é passarinho sem asas. Adulto é passarinho com asas: voam bem alto e vão aonde as crianças não podem ir. No dia do aniversário as crianças olham para frente: imaginam que está chegando o dia quando elas terão asas e poderão voar.
Os grandes, no dia do aniversário, olham para trás. Eles têm saudades do tempo em que eram crianças. É só depois que a gente deixa de ser criança que a gente descobre que ser criança é muito bom.

Explico de outro jeito. Imaginem que vocês vão fazer uma viagem. A felicidade da viagem começa antes da viagem. A gente examina mapas, lê artigos sobre os lugares que vão ser visitados, conversa com amigos que já foram, olha fotografias. E só de imaginar fica feliz.

Depois de feita a viagem é diferente. A felicidade ficou para trás. Só resta ver as fotos e conversar...

Criança é quem ainda não viajou e fica feliz imaginando a viagem. Viagem imaginada é sempre feliz. Adulto é quem já viajou e fica feliz olhando as fotos da viagem.

(...)

No dia do meu aniversário os números vão mudar, como mudam no rodômetro, aquele aparelhinho no painel do carro que marca a quilometragem. Está lá “67“ e aí, de repente, o “7“ dá um pulo e o “8“ aparece no seu lugar. Esse é um jeito de marcar o tempo, contando os números.
Jeito bobo. Os números não dizem nada. Há um verso sagrado que diz: “Ensina-me a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios.“ Muita gente envelhece sem ficar sábio. O que é um sábio? Sábio não é quem sabe muito. Sábio é quem come a vida como se ela fosse um fruto saboroso. O sábio presta atenção nos prazeres e alegrias de cada momento. E o que dá prazer e alegria não são coisas grandes, festas com bolo, bexigas e presentes. O que dá alegria são coisas pequenas. Por exemplo: brincar com um cachorrinho. Balançar num balanço. Andar na água fria de um riachinho. Ver um ipê florido. Ler um livro. Armar um quebra-cabeças. Ver fotografias antigas.

* Uma das coisas que me encantam em Rubem Alves é esse jeito de dizer coisas lindas e sábias com essa simplicidade. A elegância na singeleza.

** Aproveitando o dia para desejar um feliz aniversário ao meu amigo Cadim.

17 de fevereiro de 2011

O Casamento

~ Do Livro "A Voz do Mestre" ~
Do Primeiro Olhar
Do Primeiro Beijo
Do Casamento
~ Do Primeiro Olhar ~

É aquele momento em que a Vida passa da sonolência para a alvorada. É a primeira chama que ilumina o íntimo mais profundo do coração. É a primeira nota mágica arrancada das cordas de prata do sentimento. É aquele momento instantâneo em que se abrem diante da alma as crônicas do Tempo, e se revelam aos olhos as proezas da noite, e as vozes da consciência. Ele é que abre os segredos da Eternidade para o futuro. É a semente lançada por Ishtar, deusa do Amor, e espargida pelos olhos do ser amado na paisagem do Amor, depois regada e cuidada pela afeição, e finalmente colhida pela alma.
O primeiro olhar vindo dos olhos do ser amado é como o espírito que se movia sobre a face das águas e deu origem ao céu e à terra, quando o Senhor sentenciou: "E agora, vivei!"

~ Do Primeiro Beijo ~

É o primeiro gole de néctar da Vida, numa taça ofertada pela divindade. É a linha divisória entre a dúvida que engana o espírito e entristece o coração, e a certeza que inunda de alegria nosso íntimo. É o começo da canção da Vida e o primeiro ato do drama do Homem Ideal. É o vínculo que une a obscuridade do passado com a luminosidade do futuro; é a ponte entre o silêncio dos sentimentos e a sua própria melodia. É uma palavra pronunciada por quatro lábios, proclamando o coração um trono, o Amor um rei e a fidelidade uma coroa. É o toque leviano dos dedos delicados da brisa nos lábios da rosa — pronunciando um longo suspiro de alívio e um suave gemido.
É o começo daquela vibração mágica que transporta os amantes do mundo das coisas e dos seres para o mundo dos sonhos e das revelações.
É a união de duas flores perfumadas; e a mistura de suas fragrâncias, para a criação de uma terceira alma.
Assim como o primeiro olhar é uma semente lançada pela divindade no campo do coração humano, assim o primeiro beijo é a primeira flor nascida na ponta dos ramos da Árvore da Vida.

~ Do Casamento ~

Aqui o Amor começa a traduzir a prosa da Vida em hinos e cânticos de louvor, com música que é preparada à noite para ser cantada durante o dia. Aqui a força do amor despe-se dos seus véus, e ilumina todos os recessos do coração, criando uma felicidade que só é excedida pela da Alma quando se encontra com Deus.
O casamento é a união de duas divindades para dar nascimento a uma terceira na terra. É a união de duas almas num amor tão forte que possa abolir qualquer separação. É aquela superior unidade que junta as metades antes separadas, de dois espíritos. É o elo de ouro de uma cadeia cujo começo é um olhar, e cujo fim é a eternidade. É a chuva pura que cai de um céu perfeito para frutificar e abençoar os campos da divina Natureza.
Assim como o primeiro olhar entre os que se amarão é como uma semente lançada no coração humano, e o primeiro beijo de seus lábios uma flor nos ramos da árvore da vida, também a união de dois amantes pelo casamento é como o primeiro fruto da primeira flor daquela semeadura.

 Kahil Gibran

 Para os meus amigos Sophia e Anastácio, que hoje iniciarão nova etapa em suas vidas...

14 de fevereiro de 2011

Bonito de doer



 (...) Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida. Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor car(o,a) colega, esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins."

Caio F. in Pequenas Epifanias


porque amou por que amou
se sabia
p r o i b i d o p a s s e a r s e n t i m e n t o s
ternos ou desesperados
nesse museu do pardo indiferente
me diga: mas por que
amar sofrer talvez como se morre
de varíola voluntária vágula evidente?

ah PORQUE AMOU
e se queimou
todo por dentro por fora nos cantos ecos
lúgubres de você mesm(o,a)
irm(ã,o) retrato espetáculo por que amou?

se era para
ou era por
como se entretanto todavia
toda via mas toda vida
é indignação do achado e aguda espotejação
da carne do conhecimento, ora veja

permita cavalheir(o,a)
amig(o,a) me releve
este malestar
cantarino escarninho piedoso
este querer consolar sem muita convicção
o que é inconsolável de ofício
a morte é esconsolável consolatrix consoadíssima
a vida também
tudo também
mas o amor car(o,a) colega este não consola nunca de nuncarás.

A cada vez que me deparo com algum trecho do Caio F., que hoje se encontram aos montes nos blogs, tumbrls, fico me perguntando como esse cara conseguia escrever com essa acuidade, com essa apropriação da dor que ele parecia carregar em cada célula do corpo, em cada partícula da alma. Ele extraía beleza e poesia de situações banais e cotidianas, que com suas palavras deixavam de ser simples acontecimentos diários, e viravam eventos cheios de carga emocional. É muito bom ver essa memória ser preservada, as palavras que ele nos deixou serem difundidas e espalhadas na net, mesmo que seja uma "modinha", o importante é que muitas pessoas tenham a oportunidade de conhecê-lo e adorar tudo o que ele escreveu.
Como eu.

Passando por aqui






Do nada, uma vontade danada de escrever.
Talvez, mais uma vez, me re-escrever.
Revisitar minhas histórias.
Antecipar novos enredos
Deste livro continuamente inacabado.