19 de fevereiro de 2011

Só quero um presente - Rubem Alves


Minhas netas: no dia 15 o vô vai ficar mais velho. Bobagem, porque a gente envelhece o tempo todo; o tempo não para; é como o rio. Só que a gente não percebe. Mas aí chega um dia que faz a gente parar e prestar atenção: o dia do aniversário. No dia do aniversário a gente diz: “Passou mais um ano da minha vida“. É o dia quando os números mudam. Quando me perguntam: “Qual é a sua idade?“ - eu respondo: “67“. Mas depois do dia 15 a resposta será “68“.

Vocês crianças, quando pensam em aniversário, dão risada e ficam felizes. Aniversário é dia de festa e presentes. Toda criança quer que o tempo passe depressa para ficar mais velha, deixar de ser criança e ficar adulta. Acham que ser criança é coisa ruim, porque crianças não são donas do seu nariz, não fazem o que querem. Bom mesmo é ser grande. Os grandes fazem o que querem e não precisam pedir permissão. Criança é passarinho sem asas. Adulto é passarinho com asas: voam bem alto e vão aonde as crianças não podem ir. No dia do aniversário as crianças olham para frente: imaginam que está chegando o dia quando elas terão asas e poderão voar.
Os grandes, no dia do aniversário, olham para trás. Eles têm saudades do tempo em que eram crianças. É só depois que a gente deixa de ser criança que a gente descobre que ser criança é muito bom.

Explico de outro jeito. Imaginem que vocês vão fazer uma viagem. A felicidade da viagem começa antes da viagem. A gente examina mapas, lê artigos sobre os lugares que vão ser visitados, conversa com amigos que já foram, olha fotografias. E só de imaginar fica feliz.

Depois de feita a viagem é diferente. A felicidade ficou para trás. Só resta ver as fotos e conversar...

Criança é quem ainda não viajou e fica feliz imaginando a viagem. Viagem imaginada é sempre feliz. Adulto é quem já viajou e fica feliz olhando as fotos da viagem.

(...)

No dia do meu aniversário os números vão mudar, como mudam no rodômetro, aquele aparelhinho no painel do carro que marca a quilometragem. Está lá “67“ e aí, de repente, o “7“ dá um pulo e o “8“ aparece no seu lugar. Esse é um jeito de marcar o tempo, contando os números.
Jeito bobo. Os números não dizem nada. Há um verso sagrado que diz: “Ensina-me a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios.“ Muita gente envelhece sem ficar sábio. O que é um sábio? Sábio não é quem sabe muito. Sábio é quem come a vida como se ela fosse um fruto saboroso. O sábio presta atenção nos prazeres e alegrias de cada momento. E o que dá prazer e alegria não são coisas grandes, festas com bolo, bexigas e presentes. O que dá alegria são coisas pequenas. Por exemplo: brincar com um cachorrinho. Balançar num balanço. Andar na água fria de um riachinho. Ver um ipê florido. Ler um livro. Armar um quebra-cabeças. Ver fotografias antigas.

* Uma das coisas que me encantam em Rubem Alves é esse jeito de dizer coisas lindas e sábias com essa simplicidade. A elegância na singeleza.

** Aproveitando o dia para desejar um feliz aniversário ao meu amigo Cadim.

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